Por Fernando Castilho, do JC Negócios
Para quem se acostumou a ver o Carnaval da Bahia como uma festa que
junta o talento de artistas nacionais que se dividem em apresentações
nos seus trios elétricos onde Carlinhos Brow visita Ivete Sangalo assim
como Cláudia Leite recebe Bel Marques e Caetano Veloso divide o
microfone com seu amigo Gilberto Gil, não deixa de ser surpreendente a
entrevista publicada na edição desta segunda-feira da Folha de São Paulo
onde o presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues, afirmou que há um
monopólio na divisão de recursos na folia da Bahia, que hoje ela é
"terra de uma artista só": Ivete Sangalo.
Rodrigues, que lidera a banda mais internacional da Bahia com
apresentações em 37 países, quatro Copas do Mundo e que tocou com os
últimos 30 grandes nomes da música mundial, disse que hoje existe um
segmento que tem os melhores patrocínios, maior visibilidade, todos os
recursos e que desfila entre cordas separando os blocos do povo. E mais:
que a capital baiana "é campeã mundial de apartheid". Sobretudo nos
dias de folia.
Mas, por que Rodrigues, um carnavalesco respeitado, com título de
Mestre em direito público pela Universidade de Brasília (UnB) resolveu
bater de frente com a mais festejada artista brasileira, cantora, atriz,
apresentadora de programas de televisão e empresária de sucessos no
show bis?
Exatamente por essa ultima característica: Ivete virou, segundo
Rodrigues, empresária demais para os verdadeiros interesses do Carnaval
da Bahia. E, mais uma vez, por surpreendente que isso possa parecer, ele
tem razão.
Nos últimos anos a cantora foi juntando aos seus negócios, os
interesses do Governo e da Prefeitura de Salvador, que em 2008
entregou-lhe o direito de captar verbas para pagar as contas do Carnaval
da cidade, catapultando sua força como captadora de recursos da Lei
Rouanet para suas apresentações e praticamente definindo quem e em que
horários devem se apresentar no Carnaval de Salvador o que inclui os
horários mais nobres de TV.
Na prática, isso teve efeitos negativos, pois com o tempo o formato foi
excluindo os blocos afros da Bahia do horário nobre e das transmissões
ao vivo o que revolta as agremiações e de quem o Olodum se tornou
porta-voz.
A experiência do Carnaval de Salvador é um bom exemplo do que não se
deve seguir. Afinal, se a festa é paga pelo dinheiro do contribuinte,
ninguém melhor que o próprio prefeito para pressionar as empresas que se
beneficiam da festa a contribuir com a festa.
Na verdade, o que aconteceu foi que em 2008 o Consórcio OCP Mago ganhou
o direito de ser responsável pela comercialização das cotas de
patrocínio do Carnaval de Salvador. O consórcio é liderado pelos
empresários Antônio Barreto Jr., da OCP Comunicação; e Alexandre
Sangalo, da Mago Comunicação-Caco Telha, irmão e gestor da empresa de
Ivete.
A Mago Comunicação é um agência de propaganda pertencente a Caco de
Telha que pertence a Ivete Sangalo que ainda tem as empresas Caco
Soluções Corporativas, Axé Mix, Caco Music, Caco Licenciamentos, Caco
Formaturas, além da carreira individual da cantora.
Em 2009, um contrato oficializou as agências OCP Comunicação e Mago
Comunicação como vencedoras da concorrência realizada para escolher os
responsáveis pela comercialização de cotas de patrocínio do Carnaval de
Salvador. O contrato com a empresa de turismo do município Saltur seria
válido por três anos, compreendendo os carnavais de 2010, 2011 e 2012.
Mas, no ano passado o consórcio conseguiu renovar por mais dois anos, e
tanto em 2013 como em 2014 o consórcio OCP/Mago vai vender as cotas para
a maior festa da Bahia.
Nos últimos anos, o valor arrecadado pelas cotas de patrocínio do
Carnaval de Salvador até que cresceu. Em 2010, o total arrecadado pelo
Consórcio OCP Mago foi de R$ 14 milhões, o que representou o expressivo
percentual de 87% de aumento em relação a 2009, quando a soma foi R$7,5
milhões. Este ano, ele fechou as principais cotas com empresas privadas e
instituição publica de mais de R$ 17, 7 milhões. Brahma, Itaú,
Petrobras e Governo do Estado da Bahia são os principais patrocinadores
da festa. A Brahma, cerveja do portfólio da Ambev, irá investir R 5, 25
milhões, o Itaú, R 3, 91 milhões e a Petrobras, R 4, 77 milhões.
Oficialmente o consórcio ajuda a colocar banheiros em containers com
ar-condicionado, limpeza das ruas e do fundo do mar, segurança,
incremento nos carnavais de bairros, painéis informativos e de
entretenimento, zonas de internet gratuitas. Do outro lado, cuida da
promoção na mídia organizando os desfiles. E foi ai que o bicho começou a
pegar.
Segundo João Jorge Rodrigues, isso excluiu os blocos afros do melhor da
festa. Segundo ele, o Olodum vem brigado muito para sair mais cedo e
poder ser visto pela televisão. Para que empresas patrocinem de forma
equitativa os blocos afros. Mas, não tem tido sucesso.
Para o presidente do Olodum, a diversidade, que antes era a riqueza do
Carnaval, foi diminuindo e hoje o Ilê Aiyê, os Filhos de Gandhy, a
Timbalada e o Olodum concorrem pouco para isso. Nos demais lugares você
não tem novidades. "A Bahia virou a terra de uma artista só. Parece que
os outros estão todos mortos", diz.
De fato, o que o presidente do Olodum diz é perceptível, pois a marca
do Carnaval da Bahia virou a corda. Custa caro e põe mais de dois
milhões de turistas se espremendo fora das cordas até porque, nos trios
só cabem 250 mil pessoas.
O curioso é que até mesmo líderes de blocos afros optaram por tentar
contornar esse efeito negativo em lugar de questioná-lo. Carlinhos Brow,
que prefere não bater de frente com Ivete, com outras seis entidades,
decidiram criar um espaço próprio, o Afródromo. O argumento é o de criar
um novo circuito, exclusivo para os blocos afros. Ele estrearia neste
ano, mas foi adiada pela nova gestão na prefeitura liderada por ACM
Neto, por falta de recursos.
Para o Olodum, o Afródromo é mais um equívoco. Pois, o que a sociedade
branca mais quer é que os negros escolham um gueto para ir e se afastem
da disputa com eles. É como se eles soubessem o lugar em que deveriam
ficar em vez de desfilar na Barra e no Campo Grande. Porque além de
obrigar o poder público a ter gastos com outro circuito, o Afródromo
teve um agravante: o novo circuito teria suas cotas de comercialização
feitas pelo consorcio Consórcio OCP Mago que, inclusive, argumentou que
ele não poderia começar este ano, pois não havia tempo para
comercializar o evento. Foi demais para o Olodum.
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Um 2012 repleto de realizações